"MAD MAX"
Luzia Miranda Álvares
Em 1979, o cineasta australiano
George Miller, 70, criou a história de um anti-herói ocorrida numa região árida
da Austrália e em um futuro distante quando a população da Terra tenta
sobreviver a um estado apocalíptico. Nesse tempo e espaço estradas e ruas são
alvos de cobiça a começar por Cidadela, uma espécie de estação à beira do
deserto onde são guardadas água e vegetais de forma racionada entregues à
população. Há 40 anos Miller lançou o primeiro “Mad Max”, nome de um
nômade que percorre as margens do deserto lutando para se manter e salvaguardar
a quem pode dar guarida. O filme lançou o ator Mel Gibosn, mais tarde um
expoente da indústria de Hollywood não só como ator, mas ainda como diretor e
produtor (criou uma empresa, a Icon, e de lá saíram obras marcantes como “A
Paixão de Cristo”, 2004).
É de George Miller outros
“Mad Max” entre filmes de diversos gêneros inclusive animação (o famoso
“HappyFeet” com pinguins espertos). Agora resolveu voltar ao deserto de sua
terra e aí está “Mad Max, Estrada da Fúria” (Mad Max Fury Road,
Austrália, EUA, 2015). A primeira diferença é que o personagem do título passa
a ser interpretado por Tom Hardy, inglês 10 vezes premiado e que o nosso
público conhece especialmente de “A Origem” (2010), “O Espião que Sabia Demais”
(2011) e “Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge” (protagoniza o personagem
Bane). Mel Gibson está numa “ponta”, mascarado, e sem nome nos créditos.
O filme tem o mesmo cenário, mas a
ação inclui outros limites: mulheres na idade de procriar (e uma já gravida)
são levadas por uma guerreira, a Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) para um
lugar mais ameno que ela recorda da infância. Elas atravessam o deserto num
carro de guerra com armazenamento de gasolina. Mas são perseguidas pelos homens
de Immortan Joe (Hugh Keats-Bryne), o líder da Cidadela, principalmente porque
ele precisa das jovens para serem mães de crianças aptas a viver no mundo
caótico onde impera. No caminho em fuga se insurge o vagante Max. E então
inicia-se uma perseguição pelo deserto, ganhando ajuda de um dos homens de
Immortan, conhecido por Slit (Josh Helman) que se mostra apaixonado por
uma das jovens.O filme aparenta não ter trama.
É todo dedicado à corrida pelas areias de um deserto captado muito bem pela
fotografia de John Seale. Mas o que impressiona mesmo, e o que me parece o que
de melhor tem o trabalho de Miller, é a montagem a cargo de Jason Bellantine
com ajuda de Margaret Sixel. Esses técnicos têm um desempenho fascinante numa
sucessão de planos que mantêm a ideia de um moto-continuo uma perseguição sem
tréguas. Sempre na demonstração de quem é o perseguidor e os perseguidos.
No final há uma espécie de
moral de fábula: “é melhor lutar por um direito seu do que perseguir um sonho
vulnerável a uma nova realidade”. E o parceiro de lutas de Furiosa assume a
condição de homem do povo sumindo na multidão que aplaude quem combate o
despotismo.Quem assiste cinema como
espetáculo ganha um régio presente. E com aproveitamento muito bom da 3D.
O filme está sendo denunciado
pelo MRA (Men'sRightsActivists) devido ao avanço feminino rumo à igualdade de
gênero e para eles, dizem, “os homens estão em perigo”. Segundo um comentário
ao qual tive acesso, eles “querem manter os homens sozinhos na liderança, e não
estão nada contentes com a mensagem enviada pelo filme”. Por que a líder é ... uma
mulher, a Imperatriz Furiosa, que luta como qualquer de seus pares masculinos e
inclusive dá ordens ao seu parceiro.
Na verdade, esse episódio pode
ser palmeado, haja vista que nos outros exemplares não há essa cancha
feminina.
Outros temas podem ser
percebidos na exposição do texto fílmico. Primeiramente, a dimensão do poder
entre as classes, como se vê, marcando a figura de Immortan Joe & seu
séquito que exploram o que restou das guerras nucleares. É quem detém os
alimentos e a água envidandoa submissão aos seus seguidores e a perseguição aos
que rompem com seu mando e amedrontando os que intentam resistir. Esse poder é
sangrado pelo terror que ele estabelece para manter-se sugando o sangue para sobreviver, explorando
as mulheres para engravidarem e produzir leite.
A situação do meio ambiente é
outro aspecto que o filme expõe. Na imensidão árida as bombas recolhem as principais
fontes de sobrevivência como a água e as espécies que se mantém nesse espaço.
Mas somente o séquito de Immortan Joe é contemplado de forma racionada para
esses alimentos. Nesse aspecto, sente-se a perspectiva do amanhã em todas as
áreas mundiais onde a poluição e a ganância se encharcam de lucro deixando a
massa de mortais à mingua.
Outros
aspectos da materialidade do poder desse tipo sobressaem como as máquinas, as
ferramentas que são manipuladas pelo séquito humano do poderoso e que se
transformam em coisa. As formas de manipular são meros meios de garantir o
poder sobre eles. São, assim, dois grupos a submeter – o que forma o exército
de Immortan e o que infringe suas regras seguindo sua opositora, a Imperatriz.
O mais chocante enfoque é o das
mulheres serem vítimas da violência como reprodutoras de filhos e de leite para
o séquito masculino no poder. As que já foram capturadas seguem na máquina de
guerra, mas o ditador precisa aumentar as suas nutrizes e por isso persegue a
máquina de Furiosa onde ela guarda as meninas e as jovens gestantes para não
deixá-las a mercê da escravização sexual.
O rebate da Imperatriz é claro.
Comandando sozinha e depois ao lado de Max consegue transgredir as normas e se
transforma na salvadora do próprio povo dominado onde seu parceiro na conquista
segue em frente ao lado da multidão que ovaciona o novo comando. Nesse caso, a
fonte de poder está sob o jugo de uma mulher que lutou até o fim para
conquistar.
Como se vê, o blockbuster de Miller
não é um mero vazio de imagens. Estas se tornam representações fundantes de um
mundo que é futuro mas que pode se transformar nesse vazio pelo poder de alguns
manipuladores. Eia, mulheres, temos que vencer as normas e assumir a luta.